quinta-feira, 11 de maio de 2017

APENAS UM SAXOFONE / CONTO DE LYGIA FAGUNDES TELLES

Anoiteceu, faz frio, 44 anos e 5 meses, como passa rápido “Meu Deus”, eu sinto o frio circular que sai do assoalho e se infiltra no tapete, meu tapete é Persa, aliás, todos meus tapetes são Persas. Mas eu não sei o que esses bastardos fazem que não impedem que o frio se instale. Onde agora, onde?

Eu poderia pedir que acendessem a lareira, mais eu mandei o copeiro ir embora, o copeiro, a arrumadeira, a cozinheira; TODOS RUA, um a um, uma corja que ri de mim pelas costas. Mas onde agora, onde?

A lenha, em algum lugar da casa, mais acender a lareira, não é tão fácil como parece no cinema, o xinês ficava horas e horas assoprando e mexendo até acender e eu mal tenho forças para acender meu cigarro. Onde agora, onde?

Eu desliguei o telefone da parede, peguei a garrafa de Whisky, estou sentada aqui a não sei quanto tempo, bebendo, mais bebendo devagar, por que hoje, hoje eu não quero ficar bêbada, hoje não. Engraçado sabe, eu to sentada aqui a não sei quanto tempo, foi escurecendo e eu não acendi as luzes da casa e agora que está escuro eu vejo, vejo essa sala exorbitando de riqueza, uma riqueza inútil, fútil, coisas que eu comprei nas minhas viagens pelo mundo a fora e eu nem lembrava mais que tinha. Mas onde agora, onde?

Eu tenho um velho que me dá dinheiro, um jovem que me dá gozo e um sábio que me dá aulas de doutrinas filosóficas, uma filosofia tão platônica que na segunda aula ele se deito comigo, mais você acha que eu me importo com que ele ou qualquer pessoa pensa de mim? Claro que não, mais eu já me importei. E por causa da opinião alheia, é que hoje, ah hoje eu tenho um casaco de Vizon, um gato Siamês, eu tenho um sapato com fivela de diamante, eu tenho um piano com calda, uma chácara com piscina, um diamante que é quase do tamanho do ovo de uma pomba e um aquário com floresta de coral no fundo. Mas eu trocaria tudo, tudo, anéis e dedos, mais uma vez, só mais uma vez, ouvir o som do saxofone e saber que ele está bem em algum lugar, nem pediria para vê-lo, não eu não pediria tanto. Mas onde agora, onde?

A primeira vez que nós nos amamos foi numa praia e era uma noite muito quente, então nós entramos na água do mar nús e a água parecia a água de uma banheira, uma água morna e ele ficou assustado quando eu disse que nunca tinha sido batizada, então com as mãos em concha, ele pegou a água depositou na minha cabeça e disse: Eu te batizo Luiziana, em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, Amém! Eu pensei que ele tava brincando, mais ele nunca falou tão sério em toda sua vida. Luiziana, Luiziana, nunca mais ninguém me chamou assim. Onde agora, onde?

Nessa noite na praia eu disse a ele: Se você me ama, me ama mesmo, suba naquela duna, nú como está e toque seu saxofone o mais alto que você puder até a polícia chegar! Eu corri, vesti minha roupa, por que ele tocava tão alto que eu sabia que a polícia não ia demorar. Ah, ele tinha o cabelo todo bagunçado, a camiseta despencada, o sapato um lixo, mais o sorriso, ah, o sorriso era tão branco, tão lindo, que quando ele sorria eu parava de sorrir só para ficar olhando o sorriso dele.

Ele me levou pra morar com ele, era um apartamento no 10º andar, era um apartamento pequeno, pobre, feio, sujo, mas nós nos amamos tanto e fomos tão imensamente felizes naquele 10º andar. Em uma noite, uma noite ele me levou para jantar e afinal eu disse á ele: Se você me ama, me ama mesmo, dei me cá seu saxofone e suba naquela mesa, grite o mais alto que você puder CORNUDOS, TODOS CORNUDOS! Ele me entregou o saxofone, enquanto eu saia envergonhada eu escutei ele gritando: CORNUDOS, TODOS CORNUDOS! Me alcançou na rua e me implorou: Luiziana não me negue, não me negue. Era um amor grande demais, entende? Eu não sabia o que fazer com um amor tão grande assim, na hora a gente nunca sabe. Por acaso alguém da valor na respiração? Haha, da né, quando ela se esculhamba toda, ai todo mundo da valor. “Poxa eu respirava tão bem.” Mais na hora que ta tudo dando certo, a gente não da valor, eu não dei.

Comecei a ficar exigente sabe; Se você me ama, me ama mesmo, me dê um par de brincos! Se você me ama, me ama mesmo me dê um vestido novo! Se você me ama, me ama mesmo me leve pra jantar em lugares chiques! Se vc me ama, me ama mesmo …, ele começou a trabalhar tanto que ele saia pra tocar nos bares durante a noite e só voltava no outro dia, já amanhecendo, cansado ele deitava na cama enrodilhado tocava o saxofone e ainda me dizia: Luiziana, Luiziana você é minha música e eu não vivo sem música. E abocanhava o bucal do saxofone como fazia com meu seio. Eu quis terminar sabe, mais eu não tive coragem, então eu decidi que eu faria tudo pra que aquele amor apodrecesse de tal forma que um dia ele fosse embora e nem olhasse para trás de tanto nojo. Então uma noite, uma noite eu tinha um compromisso, nessa época eu vivia cheia de compromissos, pintava meus olhos diante do espelho e ele tocava saxofone, eu ia me encontrar com um banqueiro sabe, ele sabia disso, então eu parei, parei de pintar os olhos, olhei pra ele e disse: Se você me ama, me ama mesmo, sai daqui agora e se mate, imediatamente!

quarta-feira, 19 de março de 2014

DIA DE SÃO JOSÉ

Puxando o burrico a mulher e o filho, puxa também, o medo de que os soldados assassinem seu bebezinho.
Atrás do cortejo uma corruíra com seu rabinho apagava as pegadas do cortejo.
Aprendi nas aulas do catecismo a Fuga para o Egito da Sagrada Família com essa versão ecológica, para que poupássemos os passarinhos.
Corruíra é um passarinho sagrado, ela ajudou a salvar o menino chamado Jesus, por isso na minha infãncia poupávamos as corruíras.
Não fossem as corruíras, perderíamos o carro chefe do Cristianismo.
Quando fui expor presépios e contar histórias em Carlsruher, na Alemanha, no mesmo Castelo, estava acontecendo uma exposição chamada Império Romano. Depois de 2005 anos, o Império Romano ainda persegue o menino Jesus.
Imaginei se a Sagrada Familia estivesse na Alemanha e ao ouvir o grito de guerra do Império: " OLHA O IMPÉRIO Áí MINHA GENTE", no desespero, São José, chamaria um táxi, um Volkswagem pra fugir pro Egito. Pra incrementar a história, um garçon durante o ensaio, sugeriu que eu mudasse a marca do táxi,, pra Mercedes Bens, já que o fundador da empresa estudou em Karlsruher, seria uma homenagem. Depois do ensaio ele me sugeriu que voltasse para o Fusca porque São José não teria cacife pra bancar uma Mercedes.
Não lembro direito, mas acho que fugi pro Egito, com burrinho e corruíra.
Feliz dia de São José pra todos os Josés do mundo.

Hélio Leites
19/03/2014


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domingo, 30 de junho de 2013

nOVA


arte para estampar camisa, propaganda torta de cosméticos.

Se gostou, visite o portfólio de Leandro Hammerschmidt (eu mesmo) neste link - lá tem trabalhos de artes gráficas, edição de vídeo e jornalismo também

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sexta-feira, 10 de maio de 2013

AMANHÃ (SÁBADO) TEM ROCK NO CAÇADORES DE RELÍQUIAS CURITYBA



Galera, momento mkt pessoal 1,99 de volta:

Amanhã os MOnges da Lapa (banda que tem eu, Leandro H, e Franco Fuchs aqui do JTG) toca no depósito/loja Caçadores de Relíquias Curityba, um dos patrocinadores do blog Fato Agenda.

Tá todo mundo convidado a curtir neste sábado (11 DE MAIO) o som que a banda Monges da Lapa + o músico Zé Carlos vão fazer lá na loja (depósito) deles a partir das 15 horas. Quem não conheçe a loja, agora tem mais um incentivo pra ir lá se reencontrar com o passado, bater uns papos, tomar umas cervejas e fazer novos amigos.

Os convidados a tocar (Monges da Lapa) são uma rapazida de curitiba que surgiu num churrasco de lamentação da morte do Raul Seixas, em 2003, que depois virou uma banda de pagode imaginário paulista (Bico Doce), mas nunca conseguiu cifrar os primeiros sambas feitos no churrasco. E então virou uma banda de rock de nylon mesmo, com pitadas de ladainha cigana, samba punk, canto africano e ajuda espiritual do coral de senhorinhas da catedral e meninos castrati... Neste sábado, os monges contarão com o guitar hero, cantor e multinstumentista Zé Carlos, sujeito que sabe tudo de música!

O lance tá marcado para sábado (dia 11) a partir das 15h no Caçadores de Relíquias Curityba, que fica na Rua José Lopacinski, 753, Jd Gabineto, pros lados na Universidade Positivo e mais precisamente na frente do Supermercado Michel. É fácil achar o lugar, tem uma carroça bem na frente!

Todos estão convidados! Venham e tragam seus amigos! Todos estão convidados! Venham e tragam seus amigos! E, se alguém quiser ajudar a divulgar no face... :) tá aqui.

Valeuuu!


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terça-feira, 9 de abril de 2013

SEBO ACERVO ALMON APRESENTA: MONGES DA LAPA


Sebo Acervo Almon lança o Projeto Ensaio Aberto e a primeira banda a ser convidada são os "Monges da Lapa", e, neste ensaio aberto de sábado dia 13, quem quiser tocar com a banda é só levar um instrumento.

O ENSAIO ABERTO acontecerá UMA vez por mês em um sábado. No dia acontecerá outros eventos como Bazar, Promoções Especiais ou qualquer outra atividade. O Ensaio será a partir das 14h.

Os primeiros convidados (Monges da Lapa) são uma rapazida de curitiba que surgiu num churrasco de lamentação da morte do Raul Seixas, em 2003, que depois virou uma banda de pagode imaginário paulista (Bico Doce), mas nunca conseguiu cifrar os primeiros sambas feitos no churrasco. E então virou uma banda de rock de nylon mesmo, com pitadas de ladainha cigana, samba punk, canto africano e ajuda espiritual do coral de senhorinhas da catedral e meninos castrati...

O Ensaio Aberto do Monges da Lapa está marcado para sábado (dia 13) a partir das 14h no Sebo Acervo Almon, na Rua Saldanha Marinho, 459, centro de Curitiba/PR. E a entrada é gratuita (claro!).

Todos estão convidados! Confira todas as informações e a moçada bonita que já confirmou presença, aqui na página do evento.

e se vc tem uma banda, o PROJETO ENSAIO ABERTO está com inscrições abertas! Envie o NOME DA BANDA/CANTOR e o ESTILO DE MÚSICA para o e-mail: contato@acervoalmon.com.br  -  lembrando que é necessário trazer os equipamentos/instrumentos (e se pah, os amigos).

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segunda-feira, 8 de abril de 2013

O Jardim de KH

A lagarta lambe os beiços, devorando galhos inteiros de uma trepadeira em flor, enorme, feito uma lanterninha chinesa, prepara seu casulo mágico onde ela vai trocar de roupa. Quando sai do seu armário de folhas, vestida de destaque, surpreende até a si própria, pelo luxo da fantasia, pronta pra desfilar pelas sapucaís da vida, feita rainha de escola de samba.

Sabendo desse mistério, a dona do jardim permite, alegando ser a lagarta uma espécie de podadora dos excessos, os beija-flores riscam os céus do pequeno jardim, as vespas montaram num galho, uma pequena pousada, um trânsito intenso, de seres minúsculos, onde tudo floresce, cresce e apodrece sem pedir licença à Urbes. Até o tico-tico fez seu ninho e criou um chopin, e a sinfonia pidoncha do filhote, entra nas paradas de sucesso como a música mais ouvida naquele território sagrado, onde Deus tricota nossos destinos, é ali no arfar de seu tear, que aprendo a respirar, olhando as mínimas orquídeas, nem por isso menos complexas em seus desaines, luxo de cor e perfume, edificando em nós, uma esperança de vida.

A trepadeira que fornece sapatinhos de judia, judia, sim é de nossa perplexidade, ante o fenômeno, não me aborreço com Deus, é dele a obra prima, penduradinho por um fio ele nos estende a vaidade do mundo num varal que vai além de todos os jardins. O jardinzinho é recheado de suculentas, que desabam do alto do mais remoto sapato velho de salto alto vermelho, tudo é linguagem, e registra a obra do tecelão. Claro que também é um jardim de hortaliças, um pé de couve é emblemático a nos dizer, "que couve" e nos chama à reflexão, eu vou e ao saber tratar-se de couve manteiga, já passo no pão do dia, e saio do jardim, mastigando sem culpa, mas ele não sai de mim, assim são os jardins de KH, você jamais se livra deles e eles se multiplicam variados, sem receita, por dentro de todos nós.

José Hélio Silveira Leite (08/04/2013)

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quarta-feira, 11 de julho de 2012

DÍSTICO DOS NEURÓTICOS

pub dia 22/03/2009 por Rodrigo Choinski 21/11/2007 às 02:23 - alternativistas-1@yahoo.com.br

Parte I

Meu pai quando tinha lá seus trinta anos já alcançara na empresa em que trabalhava um posto de respeito. Seu potencial técnico muito bem explorado o levou rapidamente a essa situação. O resultado disso foi a convivência dele, nesta época, com gente muito rica, desta gente não lembro nem o nome. O que não me sai da memória são os dias de festas, me deixavam na casa de um? amiguinho? rico, penso que era para economizar a babá, mas não sei.

No quarto, lembro muito bem, um longo trilho de trem, fazendas em miniatura, rios, pontes e montanhas, além de vários brinquedos muito vistosos. Eu ficava deslumbrado, mas sabe, na terceira vez eu já odiava aquilo. O motivo era Anderson, o dono da montanha de brinquedos. O garoto era um nojo, se perdia um jogo, chorava, se eu aproveitava para brincar com as raridades em uma escapada enquanto ele se distraía com Ana Cláudia, outra menina que odiava Anderson, vinha me acusando e inventava histórias para a babá.

No primeiro dia ela equilibrava as brigas, depois a coisa mudou, a parcialidade para com Dondom era um desacato, é, esse era o apelido ridículo de Anderson. Eu chorava de raiva. Penso hoje que o garoto reclamara com sua mãe sobre mim, pobre Nívea, a babá, deve ter sido esculachada.

Na quarta e última vez que estive naquela casa, nem olhei na cara do maldito Dondom, resolvi fazer uma traquinagem, esperei uma bobiada da Nívea, entrei e me tranquei no quarto dele. Ah que prazer eu senti em degolar o antipático Blaublau, um urso com cara de sonso, ele sempre ficava do lado do Dondom, toda vez, era certo. Mas minha vingança foi rápida e vociferante, com uma faca que eu roubara da cozinha e trouxera dentro de meu fiel escudeiro Alegre, uma sorridente centopéia de pelúcia, um pouco encardida, de quem jamais me separava, serrei a cabeça do traidor, depois arranquei os olhos e ainda cortei uma perna. É, eu não gostava mesmo do Blaublau.

Para o trem me inspirara no filme a ponte do Rio Kwai, que havia assistido a pouco tempo com meu pai, tudo bem que não havia tempo para detalhes, mas uma pilha de super-homens, batmans, changemans e giraias, todos devidamente esmagados e quebrados com a ajuda da porta do armário, representavam os mortos e feridos. Nem preciso falar do estado do trem, também vítima da pesada porta-prensa.

Os barulhos chamaram a atenção de Nívea e, é claro, Dondom veio ver o que acontecia em seu reino particular. Minha primeira resposta às investidas da babá batendo na porta foi o barulho do vistoso aquário partindo-se em mil pedaços arremessado contra a escrivaninha com tampo de vidro. Esta parte foi a mais traumática do episódio, não porque eu havia me cortado em um pedaço de vidro, o que me custaria um ponto na panturrilha e o fim do prazer no resto do caso, já que me assustara com tanto sangue e não pude conter o choro. O que me fez mal foi causar a morte dos três peixinhos coloridos, sempre imparciais com aquela cara característica dos peixes, os pobres inocentes se debateram e morreram, um em cima da cama encharcada os outros em meio ao caos que eu transformara a escrivaninha.

Foram dois meses com a consciência pesada, sabia o nome de cada um deles, todo dia neste tempo rezei por suas almas, pequenininhas, de peixe de aquário. Eu que não sabia que as grandes batalhas cobram seus mortos, mas mesmo assim me arrependo de ter jogado o aquário, pelos peixes, só por isso, pois o barulho foi a gota d?água para o desespero de Dondom. Nívea já batia com força na porta, mas a mirrada adolescente não tinha força para arrombar, devia ter vindo do interior ou da periferia pois era pequena, tinha, o quê, uns 16, mas aparentava uns 13.

Andersom estava furioso, seu império caíra em mãos bárbaras e não sabia o que acontecia lá dentro, só ouvia o barulho de um furacão, além de choro. Jogou-se então o menino como um aríete contra a porta, e de novo e de novo, mas portas de ricos não cedem facilmente, certamente era de imbuia maciça e com uma boa tranca. Isto me motivou, o sangue dera uma trégua e o susto havia passado. Havia outro alvo óbvio, escalei a prateleira, derrubando tudo no caminho, no alto um lindo aeromodelo e um barco dentro de uma garrafa. Minha experiência com vidro me fez ser bem mais cuidadoso ao arremessar o barco. O aeromodelo joguei em cima da cama, desci. As pancadas na porta não cessavam. Abri a janela, era no quarto andar, estrebuchou-se lá embaixo, digno de um kamikaze, ainda vi o rotweiller cheirar, esnobe, a aeronave destruída.

O caos estava formado e a porta não se abria. Por mera progressão dos fatos abri o guarda-roupa e joguei o que pude para fora. Lá dentro havia um jogo de tintas, era o próximo passo, pintei o que pude. Na parede branca escrevi? Dondom dondoca?, que ele odiava. A raquete de tênis usei para bagunçar o que ainda estava inteiro e no lugar. Por fim joguei pela janela um bonito brasão do Coritiba Futebol Clube, meu pai era Colorado assim como eu, na época.

Ao parar escutei o choro da tímida Ana, não tinha boca para nada, era pouco mais nova que a gente e preferia aceitar as manhas de Dondom a enfrentá-lo. Sempre acabava chorando, quando o abuso se tornava mais intenso. Agora ela chorava por minha causa, devia estar com medo, assustada com tudo aquilo. O choro de Ana amolecera meu coração, mais que os peixinhos, e no fim ela era minha camarada, vítima da mesma situação… não faria mais nada.

A missão parecia cumprida, agora era esperar as conseqüências, juntei Alegre do chão, estava molhado, sujo de sangue e de tinta, quase um veterano de guerra. Esperei por algum tempo sentado no chão, olhando aquilo tudo, era tão horrível e tão bom ao mesmo tempo.

As pancadas cessaram, barulho de fechadura, a porta se abriu, uma chave reserva de certo. Veio a reação. Nívea estancou diante da balburdia estava vermelha de raiva, avançou sobre mim, agarrou-me pelas duas orelhas e me levantou. Abracei Alegre e fechei os olhos. Quando ela me soltou voltei a abrir, ela dava fortes tapas na minha bunda me levando para fora do quarto.

Na porta Dondom estupefato, quando caiu em si avançou sobre mim, eu estava cercado. Ana assistia tudo, com cara de choro, por trás de Anderson. Como tinha as mãos livres me defendi e antes que ele me acertasse mirei no meio da cara dele. Obviamente eu chorava muito, o que não impediu de eu por a cereja no bolo, Dondom estava lavado de sangue que saía de seu nariz.

Apanhei muito da Nívea aquele dia, meus pais e os de Anderson discutiram. Meu pai quis pagar os prejuízos o que não foi aceito. Apanhei mais depois, de meu pai ainda na casa de Dondom, pelo menos não foi na frente dele. Depois fui para o posto de saúde e nunca mais vi Dondom, entre mortos e feridos, foram-se os peixinhos, sobrevivemos eu e Alegre, praticamente intactos. Curti com gosto o longo castigo, sem Atari, nem rua, nem tevê.

Dois meses depois meu pai me levou pescar, depois do terceiro lambari de rabo vermelho, é, igual ao do Dalton, já não tinha tantos remorsos das mortes daquele dia.

Parte II

O que pouca gente prestou atenção aquele dia foram às manchas de sangue na porta, da mão de Anderson, que em seu desespero por medo de perder suas coisas e por sua raiva tentava em vão abrir a porta.

O sangue e as marcas de suas unhas cravadas com ódio na nobre madeira da porta.

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